A última vez que a propalada reforma política entrou em pauta foi em meados de 2007, num momento em que o governo Lula enfrentava escândalos. Agora é o Congresso que, no foco de escândalos, trás a reforma às manchetes.. Naquela época discutia-se o voto em lista fechada ou flexível, o fim das coligações na eleição proporcional, a fidelidade partidária e o financiamento público eleitoral. Outra vez a reforma empacou após a rejeição do voto em lista. A maioria dos políticos preferiu continuar com liberdade para se corromper na base do contrato individual com os corruptores, já que, se as propostas do relator Ronaldo Caiado (DEM-GO) fossem aprovadas essa possibilidade estaria inviabilizada.
O sistema de voto em lista fechada fortaleceria as atuais burocracias partidárias na medida em que submeteria a luta pela viabilização de candidaturas ao necessário controle de maiorias internas aos partidos. Isto é, para encabeçar a lista da sua legenda o pré-candidato precisaria antes controlar os organismos partidários de modo a garantir o apoio da maioria dos delegados eleitores nas convenções que definiriam a ordem dos candidatos nas listas.
Nesse contexto, quem já controla máquinas políticas e quem já tem mandato teria vantagem, o que levaria à perpetuação no poder das atuais cúpulas das legendas e, como conseqüência, do sistema político como um todo. Ou seja, aprovado o voto em lista, as atuais oligarquias políticas se eternizariam no controle dos partidos e dos governos e parlamentos, numa espécie de congelamento do quadro político atual.
Dessa forma, a atual cúpula da elite política nacional, em todos os partidos, passaria a centralizar a distribuição do sobrepreço das licitações. Isto é, os corruptores, teriam que negociar com as direções partidárias e com os detentores do poder de liberar verbas públicas a compra dos corruptos no atacado, em lotes por bancada. Assim, ao invés de comerem individualmente na mão dos corruptores, ao seu livre arbítrio e no varejo das almas, “nossas excelências” teriam que mendigar migalhas e se submeter aos caciques partidários e governamentais eternizados no poder. Ou teriam que ser caciques partidários.
Diante de tal projeção, em 2007 os integrantes do “baixo clero” das máfias políticas em que se transformaram os partidos, fizeram suas contas e votaram contra as cúpulas, sepultando o voto em lista. Definitivamente , os políticos brasileiros só defendem o livre mercado se for para rejeitar a intervenção do “Estado” nas “suas” economias pessoais.
Por essa lógica o financiamento público eleitoral tem chance de passar se for levado a voto nessa nova tentativa de aprovar mudanças na lei eleitoral. O dinheiro para financiar campanhas anda escasso e os financiadores estão mais seletivos. O financiamento público seria uma forma de legalizar mais uma transferência de dinheiro público para o bolso dos políticos, sem impedir o financiamento ilegal das campanhas eleitorais, já que ninguém fala em controlar, de fato, as licitações.
A fidelidade partidária e o fim das coligações proporcionais debatidos em 2007 não estão em debate agora. As coligações proporcionais são uma excrescência que, assim como a figura do suplente aos mandatos legislativos, distorce a legitimidade da representação. Com a coligação proporcional o quociente eleitoral que define o cálculo do tamanho da bancada de um partido no parlamento passa a valer para o conjunto dos partidos coligados. Assim, a coligação é considerada com se fosse uma só legenda partidária.
Através desse artifício, partidos irrelevantes, isto é, sem representatividade junto ao eleitorado, elegem, na carona dos grandes partidos, inúmeros parlamentares que passam a alugar o mandato a governos necessitados de maioria no Legislativo. A maioria das 30 legendas registradas no país se compõe de partidos de negócios, ou seja, são montados para a rapinagem do dinheiro público. Essas legendas além de alugarem os mandatos de suas bancadas a governos, antes disso alugam seu tempo de TV aos grandes partidos nas campanhas eleitorais. Da mesma forma, seus parlamentares mudam de partido em troca de dinheiro, cargos e vantagens, no interregno entre a eleição e a posse, para viabilizar o inchaço de bancadas e o controle dos organismos internos do Congresso.
Para que essa bandalheira possa continuar livre e impune as coligações proporcionais precisam ser preservadas, assim como a infidelidade partidária. Caso contrário, ficará limitada a latitude de movimentos hoje permitidos aos políticos que estão no ramo a negócio. A maioria.
Por isso, a reforma política está na pauta da agenda política há décadas e não sai. Mexer nas regras do jogo é alterar o resultado do jogo. Quem se elegeu com as regras atuais somente as modificará em benefício próprio.
O assunto só voltou à baila, outra vez, para mudar o foco do noticiário voltado para a corrupção no Congresso, sob a alcunha de “agenda positiva”. Agenda diversionista; diria.
Se houvesse séria vontade de corrigir distorções do sistema político por trás das intenções dos promotores dessa “reforma”, a simples aprovação da cláusula de desempenho (erradamente chamada cláusula de barreira) e do fim das coligações proporcionais; acompanhada pela definição de que vale o tamanho da bancada eleita para fins de definição de tempo no horário eleitoral na TV; distribuição do fundo partidário e da partilha do poder de controle sobre o Legislativo, já seria uma verdadeira revolução.
Mas, uma autêntica Reforma Política somente teria chance de passar se aprovada por um corpo de legisladores sem vínculo com interesses reeleitorais típicos dos políticos profissionais. Ao invés de medidas pontuais e casuísticas, as mudanças do sistema partidário e eleitoral precisam ser abordadas desde um ponto de vista sistêmico. Isto é, ao invés de mudar-se uma ou outra lei, seria preciso debater o perfil do sistema de partidos e de eleições que se quer para país, aprovando-se um conjunto integrado de normas novas que atenda as necessidades da nação, e não ao interesse conjuntural dos políticos.
O voto distrital puro ou misto, por exemplo, induz ao fortalecimento dos partidos e dispensa lei de fidelidade partidária. O voto em lista flexível, com o eleitor destinando um voto à legenda e outro ao candidato a deputado de sua preferência, também fortalece os partidos sem tirar do eleitor o direito de escolher seu candidato. Votar só a lista fechada sem discutir voto distrital e a cláusula de desempenho é uma excrescência. Aprovar financiamento público eleitoral sem regulamentar ou proibir o financiamento privado, e punir severamente a burla à lei, é estelionato.
A “reforma política” que volta ao debate é uma porcaria; um simulacro; uma farsa. Outra vez deve fracassar a tentativa de aprová-la. Se os reformadores forem os atuais legisladores, é melhor deixar a lei como está para evitar que piore.
Fonte: www.puggina.org 09 de maio de 2009