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BULLYING: FORMAÇÃO MORAL É O MELHOR MEIO DE ENFRENTA-LO (1)

 

 

 

 

 

Entrevista com Luciene Tognetta, doutora em Psicologia Escolar pela USP

Por Aline Banchieri 

 

 

 

 

SÃO PAULO, quinta-feira, 23 de junho de 2011 (ZENIT.org) - O bullying, forma de violência cada vez mais presente em nossa sociedade, é explorado nesta entrevista concedida a ZENIT por Luciene Regina Paulino Tognetta, doutora em Psicologia Escolar pela USP e coordenadora da Linha de Pesquisa "Virtudes e Afetividade" pelo GEPEM - Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral - da Unesp/Unicamp.


A segunda parte desta entrevista será publicada amanhã.


ZENIT: O que é o bullying? Em que contextos ele se apresenta de maneira mais explícita?


Dra. Luciene R. P. Togneta: O bullying é diferente de uma simples brincadeira entre alunos, pois o que o caracteriza é a intencionalidade do autor em causar um sofrimento à vítima. As agressões se repetem sempre com o mesmo alvo, acontecem por um longo período de tempo e há um desequilíbrio de poder, tornando possível a intimidação da vítima. Portanto, há uma violência sentida por quem é vitimizado e, sobretudo, essa violência acontece cotidianamente fazendo a vida dessa criança ou adolescente parecer um inferno a seus olhos. O que torna o bullying algo tão terrível é o fato de ser uma forma de violência repetida e entre pares, ou seja, entre sujeitos que estão em pesos de autoridade iguais. E é na escola que essa relação entre pares é intensificada.


ZENIT: O bullying é um fenômeno isolado ou talvez mais um dos "sintomas" do mundo pós-moderno? A que se deve esse conjunto - sempre crescente - de fenômenos relacionados à violência em nossa sociedade?


Dra. Luciene R. P. Togneta: O bullying é uma forma de violência não necessariamente dessa geração, já que sempre existiu. Contudo, é verdade que, em um momento pós-moderno, em que os tempos são "líquidos", como diria Zygmunt Bauman, são acentuadas as necessidades de sermos vistos pelos outros como o "garanhão", como o "jovem", como o "famoso", já que tal liquidez dos tempos parece assegurar a necessidade, no presente, da força física, da fama rápida.


ZENIT: Qual é a situação do bullying no Brasil hoje? Estão sendo realizadas pesquisas nesta área? Você poderia nos contar um pouco sobre os resultados mais significativos?


Dra. Luciene R. P. Togneta: Sim, nós fazemos parte de um grupo de estudo e pesquisas, o GEPEM, da Unicamp/Unesp, que estuda e pesquisa temas relacionados à violência nas escolas e à agressividade do ponto de vista da Psicologia Moral. Existe também um curso de pós-graduação da UNIFRAN, chamado "As relações interpessoais na escola e a construção da autonomia moral", que trabalha com seus alunos, entre outros temas, a violência, o bullying, como formar personalidades éticas etc.


Do ponto de vista da Psicologia Moral, nossos resultados têm apontado para o fato de que o bullyingé é um problema moral, já que se remete às relações entre as pessoas e atinge aquilo a que mais se busca - sua dignidade diante de si e dos outros.


ZENIT: E do ponto de vista da educação, que dados chamam mais a atenção?


Dra. Luciene R. P. Togneta: Numa investigação com 150 adolescentes do nono ano de Ensino Fundamental II e primeiro ano do Ensino Médio de escolas públicas da região metropolitana de Campinas (Tognetta et all), encontramos números que assim descrevem essa forma de violência entre pares: 16% de nossa amostra foi considerada entre autores convictos, cujas ações de bullying são reveladas na freqüência contínua de seus ataques; 29,3% são aqueles autores que eventualmente se colocam, muitas vezes como forma de proteção e revanche, como autores esporádicos de uma forma de violência que se pareceria com aquelas consideradas bullying. Quando questionamos sobre a possibilidade de já terem sido ou serem alvos de bullying, 60% dos alunos afirmaram já terem passado por processos de vitimização. Finalmente, ao questionarmos sobre o fato de saberem e terem visto quaisquer dessas formas de violência entre os colegas, 92% nos disseram já terem assistido a alguma situação de bullying na escola.


Vejamos: quase que a totalidade dos alunos já testemunhou cenas desse tipo de violência na escola; já foram, portanto, "público". É ele, o público, quem dá a atenção e, assim, permite a promoção do autor. Bullying é um fenômeno escondido aos olhos dos professores, os quais estão mais atentos a situações que os afetam diretamente, mas não é escondido aos olhos dos alunos. O autor fará os colegas - ou até a classe inteira - saber que chamou um colega de um apelido que ele não gosta, porque é essa a maior recompensa de um autor de bullying: ver a dor do outro com seu sucesso diante dos outros. Quanto mais souberem daquilo que ele é capaz de provocar em alguém, mais satisfeito ele se sente.


ZENIT: O autor dessa humilhação pode ser também um professor?


Dra. Luciene R. P. Togneta: Em 2004 e 2005, conduzimos investigações nas quais perguntamos a cerca de 800 crianças e adolescentes de escolas públicas e particulares da região de Campinas: "Você já foi humilhado, diminuído, desprezado ou caçoado por algum de seus professores?". Para nossa surpresa, o grande problema que encontramos foi, além do bullying, o fato de que crianças e adolescentes indicavam terem sido humilhados, desprezados, diminuídos pelos próprios professores. Numa das amostras, do 4º ano do Ensino Fundamental ao 2º ano do Ensino Médio, encontramos um número razoável de respostas que indicaram já terem sido menosprezados, ameaçados, zombados por aquele que chamamos de "autoridade" na escola. Por certo, tais ações são veladas e muitas vezes até não entendidas como formas de humilhação por aqueles que a recebem. Foi interessante notar que há um aumento nas respostas que consideram os menosprezos por parte da autoridade como natural entre os alunos: quanto menores, mais heterônomos, a ponto de validar muitas vezes as formas autoritárias pelas quais são tratados.


ZENIT: Mas, quando se trata de maus-tratos advindos de uma autoridade, de um professor, estamos também falando de bullying?


Dra. Luciene R. P. Togneta: Não exatamente, mas as formas de atuação de um professor também podem levar crianças e adolescentes a serem alvos e autores de bullying, ainda que indiretamente. Isso porque, imaginemos a seguinte situação: em determinada escola conhecida por nós e em que conduzimos as pesquisas de 2004 e 2005 na região de Campinas, os pais de dez principais alunos que eram considerados "terríveis" pela escola são convocados para uma reunião em que os filhos estão presentes. Coletivamente, a professora vai apontando os defeitos de cada um desses alunos na frente de todos. Seus pais, sentindo-se ridicularizados, culpados... É dessa forma velada, não intencional, que também a escola expõe suas violências: expõe publicamente o que deveria ser particular e permite que aqueles que já pouco atribuem a si um valor, o façam menos ainda.


Infelizmente, um dos grandes equívocos da escola é que trabalhamos o que é público como particular e o que é particular como público: quando temos uma "briga de galo" - aqueles momentos em que há espectadores que se rejubilam com a briga de outros dois -, como resolvemos? Encaminhamos os "brigões" para a direção e pedimos ao grupo que se aglomera que se disperse. O problema era público e não particular. Todos estavam, de alguma forma, envolvidos, ainda que pela ausência de indignação frente a essa situação de injustiça. Todos deveriam ser questionados: e se fosse com você? O que vocês poderiam ter feito para impedir que essa briga acontecesse? Tudo isso para que aqueles que são indiferentes se sintam implicados a tomar uma posição, para que se indignem com as injustiças na escola.


ZENIT: É comum que uma criança ou adolescente não se manifeste ao presenciar situações como esta?


Dra. Luciene R. P. Togneta: Há, de fato, uma explicação para que crianças e adolescentes cada vez mais se distanciem de pensar no coletivo da escola, como vimos numa investigação realizada com outros 150 estudantes de escolas públicas e particulares do Estado de São Paulo, em 2009. Quando questionamos esses adolescentes do nono ano sobre as ações que uma pessoa pode ter e que lhes cause indignação (ou raiva), 35,33% desses jovens pensam numa espécie justiça apenas autorreferenciada, sem se implicar com os outros, enquanto que somente 24% deles são capazes de indignar-se por qualquer pessoa que sofra a falta de um conteúdo moral, como a justiça, a honestidade, o respeito, entre outros (Tognetta, Vinha 2009).


ZENIT: Como evitar essas humilhações na escola, tanto entre colegas como entre professores e alunos?


Dra. Luciene R. P. Togneta: Quando até a autoridade é citada pelos alunos como agindo com humilhações e intimidações, temos de ter um olhar mais amplo para os problemas da escola. Há uma questão muito maior, quanto ao tipo de ambiente sócio-moral que é constituído nas relações entre os alunos e seus professores. Como pesquisadora do desenvolvimento moral, acredito que uma intervenção de qualidade ao problema da violência chamada bullying começa impreterivelmente pelo diagnóstico do ambiente sócio-moral constituído por aqueles que dele participam. Na verdade, é a qualidade do ambiente sócio-moral uma das questões mais necessárias para se levar em conta num processo de implantação de uma proposta anti-bullying.


A FUNÇÃO EDUCATIVA DA FAMÍLIA

 

 

 Evandro Faustino

Tradução livre, resumida e comentada de um capítulo de

"Ajudar a crescer - questões de filosofia da educação", de Leonardo Polo

 

18/01/2011

 

 

1- A Educação no âmbito familiar


A Educação é o terceiro aspecto do fim primário do matrimônio, que é a procriação. Outro dos fins do matrimônio é o amor entre os esposos. Mas no que diz respeito ao fim, o filho é mais importante que o amor, e por isso o matrimônio está ordenado primariamente para a procriação. Mas não apenas a procriação, já que isso é comum também aos animais, mas sim a procriação-educação. Todos os animais procriam. Alguns animais criam, mas apenas o homem educa.


É na educação que o relacionamento entre pais e filhos atinge o seu auge. Os pais geram, criam e educam. E por que se diz que isso é primário? Porque, ainda que o amor entre os esposos seja importantíssimo - e nunca se falará pouco desse ponto - esse não é o maior valor do matrimônio. O mais importante é que do matrimônio surgem novas pessoas, e ser pessoa é o que há de mais nuclear no homem. O fruto do matrimônio é uma pessoa nova, e a pessoa nova é justamente um filho. Precisamente por isso, os pais se subordinam aos filhos, uma vez que estão finalizados, estão realizados pelo filho enquanto pessoa (e não pela simples procriação da espécie, como diz a visão naturalista do homem).


O homem pode ser pai apenas com a colaboração de Deus. Os pais são "sócios de Deus" na criação dos filhos. É dessa sociedade, dessa colaboração dos pais com Deus que surge a pessoa. Os pais geram o corpo de seus filhos, mas a alma, a dimensão espiritual do homem, é criada por Deus. Os pais participam no que se refere principalmente à parte somática, à dimensão corpórea do homem. Mas o homem não é só matéria: é união da alma e do corpo, e a alma vem de Deus, é infundida pela criação divina. Os pais não podem ser pais sem a colaboração divina, a qual é primária, pois que a alma é mais importante que o corpo.


Então chegamos a uma idéia, exposta de um enfoque filosófico, e com a qual é preciso estar de acordo desde o princípio: O fato de que o homem seja mais propriamente filho que pai explica que os pais devem estar a serviço dos filhos, e que o fim primário do matrimônio seja a procriação, a criação e principalmente a educação.


Este é um ponto básico, e muitíssimo rico em conseqüências também básicas e importantes. Em rigor também se pode dizer que o pai e a mãe também se encontram no filho, porque o filho é dos dois. Evidentemente a intervenção divina é primária, mas o filho é também dos pais. No filho culmina o sentido unitivo do amor dos pais. O amor dos esposos entre si e o amor dos esposos a seu filho não se separam, porque os pais reconhecem seu mútuo amor no filho, sua obra comum. O filho é o fruto do amor.


Uma pergunta que se poderia fazer: dado que o filho é fruto da união dos pais, ele poderia em alguma circunstância contribuir para a desunião dos pais? É evidente que se isso acontecesse, essa idéia de que o filho é união, é o ponto de encontro do amor, ficaria frustrada.


Quando pode haver uma diminuição do amor entre os esposos, como conseqüência da paternidade? Que respondam os casais com filhos. Mas parece claro que isso acontece quando os pais demonstram um amor exclusivo ao filho, deixando o cônjuge de lado: quando um pai tem predileção pelo filho e se esquece de sua mulher; ou vice-versa. Nesses casos o filho estaria desunindo e diminuindo o amor entre ambos, o que seria um absurdo.


Além disso, se houvesse realmente a desunião entre os pais, a função educativa não se poderia levar a cabo. Pois essa se canaliza melhor quando o amor dos pais cresce ao se concentrar no filho, quando é amor mútuo, e não apenas ao filho. Essas considerações que podem parecer uma digressão teórica têm na verdade um grande sentido prático. Por exemplo: há mulheres que parecem dar importância apenas à sua condição de mães, esquecendo que são esposas. São tão "mães" que consideram o marido um puro provedor de alimentação. Naturalmente essa mulher se equivocou enquanto esposa. O mesmo se diga em relação ao homem que gosta muito de brincar com o filho, de passear com ele, etc., mas deixa de lado sua mulher. Ele também estará agindo mal, e não poderá educar corretamente seu filho. A educação do filho é familiar, e corresponde principalmente aos pais. Mas muitas vezes, quando há vários filhos, eles também se educam entre si (1) .


Qual o requisito básico de uma boa educação? Quando se educa melhor? Como já foi dito, será quando o amor ao filho é um prolongamento do amor entre os esposos. E se educará de forma pior quando o amor ao filho desune e deixa em segundo lugar o amor entre os esposos. Há, portanto uma estrita unidade entre os dois fins: entre o fim primário, que são os filhos, e o outro fim, que é o amor mútuo.


2- A educação da afetividade


Uma vez que a educação depende do amor dos pais ao filho, e que esse amor é inseparável do amor mútuo entre os esposos, fica evidente que a educação na família é fundamentalmente uma educação na normalidade afetiva. A normalização dos afetos é o fundamento para se edificar uma educação superior, como a educação do intelecto e da vontade.


A primeira coisa que se deve educar são os afetos, os sentimentos. Os afetos se educam principalmente na infância, até os dez ou onze anos. Se a afetividade de uma pessoa anda mal, se o seu sentimental e emocional estão abalados, essa pessoa terá dificuldades em aprender nas outras dimensões da educação. É comum os pedagogos dizerem que o que se deve educar primeiro são os hábitos. Efetivamente os hábitos devem ser educados: devem se estimular o crescimento das virtudes no homem. Mas isso vem depois da normalidade sentimental. Antes da criação dos hábitos o que se deve educar são os sentimentos. E os pais não podem educar seu filho na normalidade sentimental se não possuem previamente essa normalidade.


São Josemaria Escrivá repetia sempre aos casais: "Não briguem diante de vossos filhos!". A esse conselho saudável acrescentava outro: "também não fiquem com muitos beijos e abraços diante deles", porque as manifestações de amor são íntimas. Entretanto, de uma forma prudente, se deve fazer notar aos filhos que marido e mulher se querem, pois isso é imprescindível na educação da família. Alem disso, ajuda muito a que os esposos se eduquem entre si. Um pai ou uma mãe mal educados não podem ser bons educadores. Por isso, é preciso buscar que a educação afetiva dos pais cresça, melhorando a convivência.


A educação das crianças nas virtudes é essencial, mas no inicio é indireta, porque necessita que elas tenham normalizados os sentimentos e os afetos. Quando há harmonia nos afetos, a atuação da vontade sobre eles fará com que nasçam as virtudes correspondentes. A educação dos afetos ou sentimentos tem, portanto, o objetivo de preparar para a educação das virtudes. Enquanto as paixões humanas estiverem desorganizadas, será sumamente difícil adquirir a virtude da fortaleza, ou a virtude da temperança de forma estável.


3- O diálogo na educação


Outro aspecto da educação entre esposos que se pode destacar são, por exemplo, as brigas. As brigas são defeitos do diálogo, déficit de racionalidade. Pode-se perfeitamente estar em desacordo, e não brigar. Convém dialogar, porque as brigas procedem de um problema de incompatibilidade de caráter, de uma maneira diferente de ver as coisas, que provoca disputas ou desacordos. As brigas só se superam quando cada um dos esposos faz um pequeno exame sobre quais são as razões por que age de determinada maneira.


A melhor educação familiar é a educação conjunta. Como educadores, nem o pai nem a mãe se bastam por si sós. Suas funções educativas não são exatamente as mesmas. Devem se complementar. Portanto, os esposos devem se por de acordo. E para isso necessitam dialogar muito.


4- Ensinar a jogar (competir)


A educação familiar bem conduzida requer a colaboração do pai e da mãe. É complementaria, por uma razão simples: porque há dimensões humanas em que a mulher não pode educar, e há outras em que o homem tampouco pode ou sabe educar. Estou me referindo aqui, repito, à educação dos afetos ou das paixões, que - como disse - deve ser a primeira. O pai pode ensinar o filho a competir. E o valor pedagógico do jogo está em vincular os afetos à ação.


O homem tem um senso de competição mais desenvolvido que a mulher, porque o jogo tem entre seus componentes um fator muito importante que é o desafio. O que compete testa na competição as suas forças, e esse é propriamente um elemento masculino. Portanto, é ao homem que compete educar os filhos no jogo, ensiná-los a competir. No que diz respeito ao jogo, a mulher tem outra função, não educativa, mas mantenedora. O segundo componente do jogo é que obedece a regras. Pode parecer uma atividade simplesmente divertida, mas um jogo sem regras é impossível. Também é impossível um jogo sem objetivo. O objetivo tem muito a ver com o ganhar.


É evidente que o jogo educa a afetividade sempre e quando se jogue bem, porque mediante o jogo se aprende a ganhar e a perder. É preciso ensinar a criança a ganhar e a perder, para que assim se adapte à vida, que é uma mescla de ambas as coisas. A vida também se pode aceitar como um jogo. E isso contribui para a aquisição de virtudes.


Vimos que a estabilidade afetiva é importante para o desenvolvimento da criança. Saber ganhar e saber perder são sinais de afetividade firme: firmeza que se adquire e se aprende jogando. E quando a criança burla as regras, deve ser corrigida. E se continuam burlando, devem ser excluídas do jogo. Senão, nunca aprenderão a essência do jogo. Quando uma criança entra na escola sem ter recebido essa primeira formação, que se adquire jogando, como não sabe lidar com as regras, irá se dedicar a enganar.


É obvio que um menino acostumado a enganar na escola não foi educado na família. E se burla as regras, sua insegurança afetiva o inclinará a continuar burlando.


5- Educar na liberdade


Convém respeitar as inclinações das crianças. Se um pai é advogado, e triunfou nessa profissão, isso não é razão para que o filho seja advogado também. Pensar de outra forma seria anti-educativo, pois que afeta os princípios da educação. Como já dissemos, os pais são para os filhos, e não os filhos para os pais. É preciso evitar o paternalismo possessivo, que é contrário à atividade de educar na liberdade.


Para educar na liberdade os pais precisam muitas vezes adivinhar o que quer o filho. (Leonardo Polo conta aqui como seu pai tentava adivinhar suas inclinações quando ainda criança, dando-lhe livros infantis sobre vários assuntos, e reparando em quais ele mais se interessava).


Voltemos ao tema do jogo. Ele também deve ensinar a criança a ter serenidade, e desenvolver o equilíbrio. Isso é muito importante, embora para alguns possa parecer secundário. Aquele que sabe ganhar e perder com serenidade educou sua afetividade, é um homem forte. O homem que diz ser forte e, no entanto chora quando perde, na realidade não o é.


O jogo na educação é um assunto muito interessante. Acredito que a função principal do jogo é educar o apetite irascível: ensinar a ganhar, e ensinar a perder. O que sabe ganhar e perder afronta o perigo e o fracasso sem se alterar demais. Esse é um homem forte. Um homem forte é aquele que tem sua afetividade e seus sentimentos bem educados.


 

6- Educar na serenidade


Quando digo que as mulheres não jogam com seus filhos, não quero com isso dizer que elas não sabem jogar, mas apenas que não jogam tão educativamente com os filhos como os pais. Em contrapartida, é preciso ter em conta como as mulheres contribuem superlativamente na educação da afetividade, a qual, insisto, deve ser a primeira, para que os filhos não sejam instáveis, iracundos, assustadiços, ou ditatoriais. O homem deve ser educado para a serenidade afetiva, para não ser por exemplo um glutão. Depois virá a educação sexual, que é muitíssimo importante, e que dever ser responsabilidade exclusiva dos pais.


A mãe tem uma característica tranqüilizadora para a criança. A mãe é um lugar de acolhida, um lugar seguro, e alem disso próximo. O pai também é protetor, é alguém a quem se pode acudir. Mas a mãe protege diretamente, acolhendo no colo. Essa é uma característica essencial da mulher. O colo materno é sumamente importante para a criança. A criança não busca propriamente o colo do pai, mas seu abraço, que lhe aperta carinhosamente. O colo materno traz um contato corpóreo intenso, uma acolhida que a criança necessita, especialmente quando muito pequena. O colo também tem o sentido de refúgio, desse refúgio que lembra o lar, lembrança que deve permanecer por toda a vida. O colo tem ainda o sentido de consolo, de ser consolado. O ser humano, homem e mulher, necessita de consolo, de se refugiar. A vida humana não é apenas risco. De vez em quando o homem tem necessidade de receber consolo. Aquele que não sabe acudir ao consolo quando dele precisa - e irá precisar por toda vida - é precisamente um desconsolado, um ser entristecido, que se inibe, e sucumbe à dureza do existir.



Notas:


[1] - Atenção: aqui há um ponto a ser pensado e estudado, como embasamento filosófico para a educação multisseriada. Os filhos são naturalmente de idades diferentes, e faz parte da natureza da família que eles, alem de serem educados pelos pais, se eduquem entre si. 


NELSON FREIRE OU MOZART?

 

 


Autor: Cláudio de Moura Castro

 


"Há a mágica criada pelo grande
pianista e há a mágica,
 igualmente
notável, do professor inspirado"
 
                                       

 

 

 

 

 

 

 


Nelson Freire acaba de tocar uma sonata de Mozart. Aplausos de pé, efusivos. E ninguém menospreza seu talento, pelo fato de que não só tocou rigorosamente todas as notas de uma partitura comprada na loja, mas seguiu o andamento anotado por Mozart. O público festeja o momento mágico criado pela sua interpretação.


Mas espera-se muito mais de um professor. Sua "interpretação" na aula é pouco. Seguir a partitura é "escravizar-se ao autoritarismo de um livro". Ele tem de "criar" a aula, inventando maneiras de levar o aluno a construir seu mundo intelectual. O pobre professor tem de ser Nelson Freire e também Mozart.


Por que o professor não pode ter partitura? Por que as idéias construtivistas que deram certo não podem ser apresentadas nos livros, para que sejam testadas e usadas? Pesquisas mostram que, usando "partitura" (isto é, bons materiais), o aluno aprende mais.


Desde os primeiros dias, um pianista aprende a tocar piano tocando piano. E não vendo um professor ao quadro-negro. E aprende o tempo todo sob a tutela de um pianista praticante. Amador ou profissional, o pianista continua tocando para algum mentor mais ilustre, até o fim de sua carreira musical. É educação permanente.


Já o professor consome seu tempo com teorias pedagógicas que não consegue aplicar e quase não tem oportunidades de praticar na presença de um mestre que comente, corrija e retoque seu desempenho em sala de aula. Não aprende a arte de dar aula. É largado por sua conta, tendo de inventar a própria partitura. O professor é um deserdado na sala de aula, ninguém o ajuda, ninguém sabe como é seu desempenho.


O estudo do pianista inclui duas fases. Primeiro, ele aprende a partitura. Toca pesado e devagar, para fixar na memória as notas. É a etapa "conteudista" de seu aprendizado. Mas a formação de professores desdenha essa etapa, embora seja difícil entender como é possível ensinar sem dominar bem os conteúdos.


Sabida a partitura, o pianista estuda a interpretação que vai dar a ela. Para isso, ouve os melhores intérpretes e discute com colegas e professores. Já o professor, entupido com teorias, raramente pratica diante de mestres mais experimentados. Essa parte foi sub-repticiamente subtraída de sua formação.


O pianista se sabe um ator. O professor foi ensinado a ignorar sua função nobre e a menosprezar o palco da sala de aula.


A performance do pianista é julgada pela platéia e pelos críticos. Não interessa o diploma, pois tudo o que está sendo avaliado acontece na sala de concertos. Já o professor se sente ameaçado quando alguém decide indagar dos alunos como ele funciona em sala de aula. Perde-se o feedback e a melhoria de desempenho resultantes. Nem pensar em dar aula a um inspetor, como na França.


Esse é o grande equívoco, professor produz na sala de aula, mas é julgado pelo que nada tem a ver com a dita. Os diplomas não são concedidos a quem é inspirado na sala de aula, mas a quem passa em provas de conhecimentos. Só se julga o que não interessa. Só nos cursinhos o desempenho em sala de aula é o fator crítico para a contratação.


Os pianistas começam a aprender com o melhor pianista que encontram e continuam, por toda a vida, tocando para bons intérpretes. Os professores aprendem com quem jamais se celebrizou pela interpretação (isto é, na sala de aula), embora tenha muitos diplomas para mostrar. Quando penso nos critérios usados para selecionar quem vai ser o professor do professor, lembro que nunca ouvi falar de uma busca pelas grandes estrelas em sala de aula. Onde estão os mestres que seduzem e hipnotizam?


A interpretação não é uma arte menor. É lá que se incendeiam as mentes, se inspiram os alunos e se desencadeiam os processos que levam ao aprendizado. Há a mágica criada pelo grande pianista e há a mágica, igualmente notável, do professor inspirado.


Fico pensando, ao ver como se preparam nossos pianistas e como se preparam nossos professores: por que não aprendemos com os pianistas como preparar nossos professores?


Claudio de Moura Castro é economista
(claudiodmc@attglobal.net)
 


A REVOLUÇÃO DA NANOTECNOLOGIA

 

 

Autor: Ethevaldo Siqueira

 

 

 

Imagine tecidos que não molham, não sujam, nem mancham. São os nanotecidos. Ou o alumínio, transformado num pó finíssimo, o nanoalumínio, que é um perigoso explosivo. Ou o ouro nanométrico, que tem propriedades surpreendentes, a começar de sua cor avermelhada. A prata em nanopartículas é um dos mais poderosos bactericidas. Os nanocristais de óxido de zinco permitem a fabricação de telas ou filtros solares invisíveis e que bloqueiam a luz ultravioleta. 



Assim é a nanotecnologia, uma ciência com jeito de magia. Altamente interdisciplinar, ela associa física, química, eletrônica, biologia, ciência dos materiais e praticamente todas as disciplinas da engenharia. Seu impacto na economia e na vida humana poderá superar, talvez, o da microeletrônica e o da biotecnologia. Por tudo isso, ela deverá ser o grande diferencial entre as nações desenvolvidas, por volta de 2020, na opinião de muitos cientistas.



A boa notícia é que o Brasil já domina vastos segmentos da nanotecnologia. E está, seguramente, entre os 15 países mais desenvolvidos do mundo nessa área. Uma posição, aliás, bastante parecida com a alcançada quanto ao seu desenvolvimento científico em geral. Essa é a avaliação do professor Henrique Eisi Toma, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), um dos mais respeitados cientistas do País nessa especialidade.



No laboratório da USP trabalham 20 pesquisadores doutores (PhDs), sob a liderança do professor Toma, envolvidos na pesquisa e no desenvolvimento de aplicações das propriedades revolucionárias dos nanomateriais, nanopartículas e nanomoléculas. Esse laboratório já conquistou mais de uma dúzia de patentes apenas em 2010. 



A USP não é a única universidade com pesquisas avançadas em nanotecnologia. A Universidade de Campinas, a Unesp, a Universidade Federal de Minas Gerais e a PUC-Rio, entre outras, desenvolvem há alguns anos seus projetos e revelam surpreendentes avanços nessa área. 



O Brasil concentra hoje mais de 500 pesquisadores nesse setor de vanguarda. Na indústria, a experiência brasileira já apresenta os primeiros bons resultados. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) dispõe de um grande laboratório especializado. Diversas empresas privadas dedicam-se a essa área, entre as quais a Rhodia, a Brasken e a Plásticos Mueller, as três no Estado de São Paulo, além de outras em todo o País.



No ínicio, quase ficção



Nanotecnologia é a ciência das coisas muito pequenas. Nánnos é a palavra grega que quer dizer anão. É a raiz etimológica de nanico, nanismo, nanocefalia e de palavras que representam submúltiplos, como nanômetro, nanograma, nanossegundo, entre muitas outras. 



O mundo nanométrico é o das partículas que têm menos de 100 nanômetros ou 100 bilionésimos do metro. Um nanômetro (nm) equivale a um bilionésimo do metro (0,000.000.001 m). 



Imagine, leitor, a reação da plateia de cientistas, integrantes da Sociedade Americana de Física, no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), ao ouvir pela primeira vez, há 51 anos, o físico norte-americano Richard Feynman falar das possibilidades da nanotecnologia, no dia 29 de dezembro de 1959, em palestra cujo título era: Existe muito espaço nas profundezas (There's plenty of room at the bottom). A palavra nanotecnologia, entretanto, foi cunhada pelo professor japonês Norio Taniguchi, em 1974.



Um dos recursos decisivos para o progresso da nanotecnologia foi a invenção do microscópio de tunelamento por varredura por uma dupla de cientistas da IBM, o alemão Gerd Binnig e o suíço Heinrich Rohrer, ganhadores do Prêmio Nobel de Física de 1986. Esse microscópio tornou possível a manipulação de átomos e moléculas. Contemplar a imagem de átomos nesse microscópio é uma experiência inesquecível e de impacto.


Beleza e resistência



Uma das estruturas nanométricas mais interessantes são os nanotubos de carbono, descobertos em 1991 pelo cientista japonês Sumio Iijima, e cujas propriedades são surpreendentes quanto à leveza, resistência e condutibilidade elétrica. Como o diamante, o grafite e o carvão, os nanotubos são formas alotrópicas do carbono que já estão sendo empregadas na confecção de materiais de alta resistência e dispositivos eletrônicos para sensoriamento.


O arredondamento dos nanotubos de carbono conduz aos fullerenos, que são nanoesferas perfeitas nas quais os átomos formam arranjos pentagonais e hexagonais, como uma bola de futebol. A foto mostra o professor Henrique Toma ao lado de um modelo de fullereno.



A beleza e funcionalidade dessas bolas de carbono proporcionaram a seus descobridores Robert F. Curl, Harold W. Kroto e Richard E. Smalley o Prêmio Nobel de Química de 1996. Além dessas nanoestruturas, o carbono ainda forma filmes perfeitos denominados grafen
os (foto). Esses materiais são os condutores elétricos mais finos conhecidos atualmente, e suas possibilidades de uso na eletrônica são imensas. Seus descobridores, dois jovens pesquisadores russos Andre Geim e Konstantinv Novoselov, atualmente na Universidade de Manchester (Inglaterra), foram laureados com o Prêmio Nobel de Física de 2010.  Na USP, o laboratório do professor Toma está associando essas nanoestruturas de carbono com nanopartículas magnéticas, o que amplia enormemente as possibilidades de sua utilização. 



O Brasil acumula diversos avanços e pesquisas nessa área, porém estão sob cláusula de sigilo da Petrobrás. O professor Toma dispõe-se, "algum dia, a falar a respeito". 



Natureza inspira quase tudo



Uma das maiores fontes de inspiração da nanotecnologia é a natureza. Eis alguns exemplos visuais de natureza nano: as cores do arco-íris e das asas da borboleta, as gotas de orvalho resvalando livremente sobre as folhas da planta loto (lótus), a forte aderência das patas da lagartixa em superfícies lisas e o brilho iridescente das conchas e madrepérolas. Que relação há entre eles? A resposta é simples: todos têm como denominador algum fenômeno típico do mundo nanotecnológico, que explica não apenas seu comportamento, mas também suas propriedades, a exemplo das  cores exóticas, dureza, repulsa à água e outras características. 



Não é sem razão, portanto, que a maioria das descobertas da nanotecnologia tem relação com algum fenômeno da natureza. Vejamos o caso da planta aquática loto. Sobre ela, gotículas brilhantes de orvalho ou de chuva ficam dançando, pois a água não consegue ficar parada sobre a superfície de suas folhas e acaba carregando todos os detritos de sujeira, num exemplo natural de material autolimpante. A indústria aproveita essa propriedade para criar tecidos e outros produtos que repelem a água ou por ela têm afinidade. 



A nanotecnologia nos ensina a colorir sem pigmentos ou tintas, graças ao fenômeno da difração da luz, produzido por materiais nanoestruturados. Esses materiais atuam como uma rede de difração que só deixa passar a luz de um comprimento de onda que coincida com o espaçamento das unidades repetitivas desse material ou seja múltiplo deles. 



Também nesse caso a indústria já trabalha com a utilização de cores nano, para produzir revestimentos coloridos sem o uso de pigmentos. Ou com materiais que mudam de cor por estímulos físicos ou químicos, como no chamado efeito camaleão, propriedade que é empregada nos chamados cristais fotônicos, que exibem diferentes cores em função de uma voltagem aplicada, para uso em propaganda, nos grandes painéis externos ou outdoors.



Biomoléculas ou nanorrobôs?



Um velho sonho dos cientistas tem sido produzir máquinas em escala molecular, ou seja, nanorrobôs. O cientista norte-americano, Eric Drexler, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), um dos maiores entusiastas das possibilidades da nanotecnologia, foi um dos primeiros a sugerir a construção dos nanorrobôs (na foto, uma concepção artística). Ele imaginou a construção de uma máquina montadora universal, concebida para a manipulação de átomos um a um, possibilitando a construção de estruturas e replicadores que fariam múltiplas suas próprias cópias. 



Até hoje, a ciência não conseguiu criar robôs em escala manométrica. E talvez não venha a consegui-lo nos próximos 30 anos. A natureza, no entanto, tem algo melhor e mais prático do que nanorrobôs, diz o professor Henrique Toma: "O melhor exemplo de nanomáquina conhecida está dentro de nós: são as biomoléculas. São elas que impulsionam a vida. Drexler não explorou adequadamente o fato de as menores máquinas e sistemas de memória serem biológicos, como é o caso do DNA (ácido desoxirribonucleico)".



Rumo à nanoeletrônica



Por volta de 2025, a nanotecnologia ingressará no mundo da eletrônica, ou melhor, da nanoeletrônica, com a produção de nanochips, na era pós-silício. Conforme preveem os especialistas, em cerca de 15 anos, a microeletrônica chegará aos limites da tecnologia de silício e precisará dar um grande salto nanotecnológico para produzir chips ainda menores, mais complexos e mais poderosos do que os mais avançados de hoje (foto). É provável que, nessa mesma época, a ciência tenha criado as nanobaterias, capazes de fornecer 100 vezes mais energia do que as baterias atuais.



Bem antes dos nanochips, teremos já em 2011 avanços como o dos monitores de vídeo com a tecnologia dos LEDs orgânicos (foto), ou seja, dos diodos orgânicos emissores de luz (OLEDs, de Organic Light Emitting Diodes), que trarão nova beleza às imagens de alta definição da TV digital.



Por volta de 2030, entretanto, o mundo deverá chegar à redução extrema das dimensões dos componentes para a escala molecular. "Aí, então", prevê o professor Henrique Toma, "a nanotecnologia e a eletrônica deverão passar do mundo inorgânico para o orgânico ou biológico."



Adeus fibras ópticas



Num mostruário, o professor Henrique Toma exibe tubos e frascos com amostras de nanopartículas de ouro, dissolvidas em água. Uma pequeníssima quantidade desse líquido já dá a coloração avermelhada característica. A eletrônica do futuro deverá utilizar muito esse ouro nanométrico, pois cada nanopartícula de ouro tem muitos elétrons em sua superfície. Quando a luz incide sobre esses elétrons, eles se propagam como ondas. É esse efeito da luz que produz o espalhamento luminoso, um fenômeno fascinante aos olhos do cientista. 



Outro efeito interessante ocorre quando duas partículas de ouro nanométrico se juntam: a luz muda de cor e passa de vermelho para azul. Isso ocorre porque os elétrons dessas partículas começam a trocar informações. Nesse momento, a luz se propaga por intermédio dessas nanopartículas. É um fenômeno típico do estado de plasma. "Prevejo, então", diz o professor Henrique Toma, "que, num futuro próximo, não usaremos mais fibras ópticas. Faremos um circuito de nanopartículas e a luz será distribuída em todo o percurso delas."



A grande vantagem do ouro nanométrico sobre a fibra óptica é que ele é fenômeno químico, enquanto a fibra é uma coisa física, com certas limitações, como a falta de um meio de controle, exceto mudar o percurso da luz.



Com o ouro nanométrico, podemos aprisionar a luz, desviá-la, multiplicar sua frequência, mudar, portanto, sua cor. Poderemos fazer quase tudo que quisermos com a luz. 



As lições das conchas



Uma das paixões do professor Toma é estudar as conchas, que ele considera uma das maravilhas da natureza. "Algumas têm pigmentos como o caroteno, o mesmo que dá a cor avermelhada da cenoura. Como explicar a presença de um material orgânico numa estrutura como essa, de carbonato de cálcio? É que existe uma camada orgânica muito bem organizada nas conchas que faz os cristais de carbonato de cálcio se alojarem dentro dessas estruturas, conferindo-lhes essa rigidez."



O aspecto mais interessante desse material das conchas está no nacre, ou nacrita, uma variedade de caulim, que, quando examinado ao microscópio, mostra toda a sua nanoestrutura. E mais: pode ser substituído por fosfato (no lugar do carbonato de cálcio), formando uma espécie de matriz óssea. 



Sobre esse material tratado com fosfato, os cientistas fazem crescer células-tronco, pois ele é um material natural, como se fosse um pedaço de osso. Com ele, são feitos implantes, tanto para restauração óssea quanto para a produção de células-tronco de várias tonalidades.



Até há pouco, a ciência não compreendia por que as conchas são tão rígidas, nem por que elas exibem tanta variedade e tanta mudança de cores, além de outras características.



Um inesperado mar de petróleo



A nanotecnologia poderá, talvez, duplicar a produção das jazidas de petróleo conhecidas em todo o mundo. Mesmo naquelas consideradas esgotadas. Com a tecnologia atual, a indústria não extrai mais do que 30% do petróleo das jazidas, porque 70% do óleo permanece no subsolo, impregnado nas rochas, em especial naquelas formadas de carbonato de cálcio (CaCO3), como um líquido dentro de esponjas. 



O Brasil prepara-se para retirar o máximo possível desses 70% de petróleo que ainda permanecem nas jazidas. A USP desenvolve uma pesquisa, pioneira no mundo, que pode ter impacto revolucionário, visando à retirada do petróleo contido nas rochas porosas, com financiamento da Petrobrás.



E deverá conseguir esse objetivo graças a uma propriedade da magnetita, um minério de ferro muito conhecido. Embora se pareça com os demais óxidos de ferro, só a magnetita tem propriedades magnéticas que interessam para essa aplicação, porque esse pó adere ao petróleo, que se transforma, assim, numa mistura magnética, passível de ser atraída por um ímã. A ideia central dos pesquisadores da USP é extrair o petróleo das entranhas porosas de carbonato de cálcio usando nanopartículas de magnetita, ou um processo semelhante. 



Será algo como usar um superímã, que, aliás, já existe. O minério sintetizado, em nanoescala, como um pó finíssimo, apresenta um grau de magnetização extremamente elevada. 



Aplicações do superímã



Além da possibilidade de viabilizar a extração de petróleo das rochas porosas, esse nanopó de magnetita deverá ter grandes aplicações em biotecnologia e medicina. 



Um dos problemas da engenharia genética hoje em dia é o reaproveitamento das enzimas após a catálise. Não há como recuperar a enzima. Ela fica no meio daquela massa. A solução encontrada consiste em imobilizar a enzima nessas partículas de magnetita. No final, concluído o processo catalítico, a enzima é capturada com um ímã minúsculo, para ser usada novamente em outro processo.  



Se o pesquisador conseguir usar duas vezes a enzima, seu preço cairá pela metade. Se conseguir utilizar dez vezes, o custo será de um décimo do atual. Do ponto de vista econômico é algo extraordinário.



Na medicina, uma aplicação possível será usar esse pó magnético para conduzir, orientar e controlar a liberação de medicamentos, para que eles atuem em locais específicos do corpo humano. Ou para ação prolongada em determinado órgão ou local do organismo, pelo tempo necessário. Vale lembrar que o óxido de ferro não causa nenhum dano ao paciente, pois o organismo o elimina.



Esse nanopó magnético já é usado para melhorar a imagem dos exames feitos por tomografia. A resolução torna as imagens até 100 vezes melhores do que as convencionais. A USP já patenteou tanto o processo quanto o pó nanométrico de magnetita, desenvolvidos nos laboratórios do Instituto de Química da USP. Seu preço não ultrapassa alguns centavos por grama. Em breve ele substituirá o material hoje utilizado, muito mais grosseiro, e que custa cerca de US$ 1.700 (ou R$ 3 mil) por mililitro. Uma enorme economia.



Pesquisas em curso no Hospital das Clínicas de São Paulo testam outras aplicações possíveis desse pó nanométrico de magnetismo em medicina, inclusive no diagnóstico de células cancerosas. 



Um sensor sobre a pele



Outra experiência em medicina é a do uso de nanofios, como sensores, sobre a pele. Se apanharmos dois nanofios de carbono e os colocarmos na pele, o paciente nem sentirá. Os fios entram em contato com todo o sistema sanguíneo, sensoriam açúcar e oxigênio, medindo sua concentração. O mais interessante, no entanto, é que o oxigênio e o açúcar que existem no sangue são suficientes para alimentar uma célula de combustível (nanobateria), que pode ser colocada como se fosse um pequeno selo sobre a pele. Qualquer dispositivo que houver nesse selo funciona com a energia do próprio organismo. 



Esse selo pode fornecer muitas informações sobre nosso organismo, como temperatura, teor de aminoácidos, teor de açúcar. Ou seja, esses sensores poderão dizer como está nossa saúde. A energia para esse selo funcionar será fornecida por essas biocélulas de combustível.


Nanotecnologia e biotecnologia constituem uma aproximação muito promissora. Graças às técnicas nano, os cientistas já podem conhecer com muito maior segurança e rapidez as informações contidas no DNA, bem como decodificá-las, crivá-las, remendá-las e enxergá-las. Nada disso é ficção, pois essas nanoferramentas já existem.



A prata que salva milhões



Como revestimento antibacteriano na face interna dos potes, talhas e moringas de cerâmica, a prata coloidal salvou milhões de vida no Brasil e no mundo. Essa técnica, denominada processo Salus de esterilização da água, foi introduzida por Robert Hottinger, professor de bioquímica da antiga Escola Politécnica, que atualmente faz parte da USP, nas décadas de 1910 e 1920, muito antes que o mundo soubesse o que é nanotecnologia. 



A USP vem aprimorando ainda mais esse processo, incorporando a prata a membranas de plástico (polímero). É curioso o fato que o revestimento criado por Hottinger acabou em desuso nas últimas décadas, provavelmente porque muita gente se recusava a comprar os potes e moringas de barro revestidos com tinta de prata coloidal, por achá-los  feios devido à sua cor interna preta. 



Hoje, as nanopartículas de prata estão retornando, incorporados em películas e recipientes de plásticos, exatamente por causa de sua propriedade antibacteriana. Nessa forma, a suposta toxicidade decorrente da exposição a pequenos teores de prata tem sido por vezes questionada, principalmente por órgãos reguladores, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O professor Toma lembra, entretanto, que os talheres e utensílios de prata sempre foram empregados no uso doméstico, sem maiores consequências. 



Os plásticos ou polímeros antibacterianos, embora contenham menos de 1% de prata, podem fazer a assepsia total de tudo que for colocado sobre sua superfície. É algo muito econômico. Além de estar impregnada no polímero, a prata impede a formação do biofilme, no qual as bactérias se alojam. 



A indústria poderá produzir com vantagem saquinhos de plástico reutilizáveis, para viagem, frascos e embalagens para leite, saquinhos de soro e outras bolsas plásticas que garantem a esterilização total desses utensílios e maior durabilidade.



Fonte: http://www.ethevaldo.com.br/Generic.aspx?pid=3783 

 


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